O Código Civil, disciplinou, em um capítulo do título que cuida das pessoas naturais, os direitos da personalidade, colocando entre eles o nome. Consta do art. 16, que “toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome”. A materialização do direito ao nome se dá através do registro de nascimento que é obrigatório.
Temos o direito de ter um nome. Entretanto, esse direito não é adquirido segundo o nosso interesse ou conveniência, pois o nosso nome nos é dado por outrem (pai, mãe ou até uma autoridade – arts. 61 e 62 da Lei dos Registros Públicos – LRP).
Nosso nome nem sempre é aquele que escolheríamos. Todavia, em razão da característica de imutabilidade, que não é absoluta como veremos a seguir, é inevitável nos acostumarmos com ele.
Do registro civil de nascimento deve constar o prenome, cuja escolha é do declarante, seguido do sobrenome do pai, e, se o declarante o quiser, o da mãe, não havendo uma posição de ordem, nem a obrigatoriedade dessa sequência.
A legislação brasileira e a jurisprudência admitem a possibilidade de alteração do nome em situações excepcionais.
Vejamos.
A mudança de nome pode se dar no período de um ano após a maioridade do pretendente. Significa que o interessado, sem qualquer justificação, possui o período de um ano para realizar a alteração do nome civil, que passa a correr quando o indivíduo atinge os 18 anos, e finda quando completa 19 anos.
Os artigos 57 e 58 da Lei de Registros Públicos admitem a alteração do prenome em certas situações, quando este pedido de alteração for motivado, além de outras situações definidas em lei.
Prenome que exponha seu portador ao ridículo, ao vexame, que cause constrangimento ou que seja exótico
Os Oficiais do Registro Civil não registrarão prenomes suscetíveis de expor ao ridículo os seus portadores e, quando os pais não se conformarem com a recusa do Oficial, este submeterá por escrito o caso, independente da cobrança de quaisquer emolumentos, à decisão do Juiz competente.
Observe-se que, a recusa pelo Oficial somente poderá ocorrer em relação ao prenome, não sendo lícita eventual impugnação aos nomes de família.
Ocorrendo de fato o registro de nome que exponha seu portador ao ridículo, ao vexame, que cause constrangimento ou que seja exótico,lhe é facultado que realize a alteração do registro civil.
Todavia, não se faz necessário esperar que a pessoa passe por uma situação constrangedora para somente então autorizar a mudança.
O objetivo da mudança do nome é evitar que a pessoa seja ridicularizada ou submetida ao constrangimento, de modo que a prova a ser feita pode ser dispensada, na medida em que o próprio nome já denota essa possibilidade pelo seu sentido ou pela conotação que possui.
Os repertórios de nossos tribunais estão repletos de casos de alteração do prenome, quase sempre associados à exposição do nome em si ao ridículo, embora também se faça referência a casos de grafia incorreta ou tradução inadequada.
Seguem alguns exemplos: Ácido Acético Etílico da Silva / Amim Amou Amado / Afília Demaria de Nazaré / Antônio Moura Pacífico de Oliveira Sossegado / Bandeirante do Brasil Paulistano / Céu Azul do Sol Poente /
Espere Em Deus Matheus / Felicidade do Lar Brasileiro / Lança Perfume Rodometálico de Andrade / Maiquel Edy Marfy / Naída Navinda Navolta Pereira / Safira Azul Esverdeada
Pode ainda, o aspecto vexatório ou constrangedor surgir com o passar do tempo. Como exemplos, a associação do nome a algum modismo ou à letra de uma música ou a uma publicidade e, nesses casos, a prova será fundamental.
Prenome que contenha erro gráfico
Quando nome é grafado incorretamente, é o caso de retificação e não de alteração, sendo que, a simples dificuldade de grafia não dá ensejo a retificação.
A retificação poderá ser realizada extrajudicialmente, no cartório onde assentado o registro, pelo próprio oficial, não sendo necessário o ajuizamento de demanda para tanto.
Alteração de prenome para incluir apelido público notório ou nome
É permitido acrescentar apelido público notório ou substituir o prenome por ele, desde que o apelido seja lícito.
O artigo 58 da Lei de Registros Públicos prevê a possibilidade da substituição do prenome por apelidos públicos notórios, que não são somente aqueles ligados a pessoas públicas, porém os que se ligam a alguém que consiga demonstrar sua existência e sua vinculação.
A alteração do prenome deve ser submetida ao Judiciário (arts. 40 e 109 da Lei de Registros Públicos), somente se concretizando após a decisão reconhecer o direito à alteração.
O Magistrado considerará a existência e notoriedade do apelido pretendido em substituição do nome e, para tanto, o interessado deverá produzir provas neste sentido.
Assim como o nome pode ser substituído, é possível acrescentar o apelido ao prenome, transformando-o, pois, em nome composto. Exemplo clássico é do Presidente, que acrescentou o apelido Lula (Luiz Inácio Lula da Silva) ao seu nome completo.
Alteração do prenome pelo uso prolongado e constante
Há ainda o entendimento jurisprudencial, no qual “o uso de um nome por longo tempo, sem dolo e com notoriedade, outorga ao seu portador, independentemente de sua posição social, o direito de obter a retificação do registro civil” (STJ-Lex 240/125, Rel. Ênio Santarelli Zuliani).
Alteração do prenome por conta da pronúncia
De acordo com a jurisprudência há o entendimento de que, a simples dificuldade de grafia e pronúncia não são suficientes para a retificação pretendida, porém se for pela correta e melhor pronúncia, os Julgadores têm entendido que deve ser feita a correção do prenome para que fique mais harmônico.
Alteração do prenome pela homonímia
Homonímia, em síntese, significa a existência de nomes iguais que podem acarretar prejuízos aos seus portadores.
Normalmente, os prejuízos são mais frequentes quando há homonímia em relação ao nome completo, podendo resultar em situações como o indevido registro nos cadastros de inadimplentes, certidões positivas de distribuidores judiciais, inclusões indevidas nos cadastros criminais do Instituto de Identificação, dentre outras.
É permitido que se acresça uma outra designação ao nome ou um apelido público notório desde que, se faça por meio de exceção e motivadamente, com a devida autorização judicial, sem descurar das peculiaridades do caso concreto.
Alteração do prenome do estrangeiro
É autorizada a alteração do nome do estrangeiro se for de pronunciação e compreensão difíceis e puder ser traduzido ou adaptado à prosódia da língua portuguesa.
Alteração do prenome para proteção da vítima ou testemunha
A previsão do art. 57 cuida também da alteração por motivo de segurança, que se coloca nas hipóteses de ameaça ou coação e, ainda, diante da colaboração para o esclarecimento de crime (lei 9.807/99 que estabelece normas para a organização e a manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas), que pode implicar também a alteração do sobrenome e até a supressão do nome de parentes da certidão. Nesses casos, o pedido não está sujeito ao prazo antes previsto, podendo ser formulado a qualquer tempo, inclusive antes da maioridade, devendo o representante do menor agir nesse sentido.
Alteração de prenome em razão da adoção
O art. 47, § 5º, do Estatuto da Criança e do Adolescente permite a alteração do nome completo do adotado, podendo ser incluídos também os nomes dos adotantes e dos novos avós.
Alteração de prenome em razão da identificação de gênero
Atualmente, o assunto “transgênero” tem sido abordado em telenovelas que passam no horário nobre da televisão brasileira, a exemplo de “A Força do Querer”, transmitida pela Rede Globo, na qual a personagem Ivana, que se descobriu transgênero está dando início à transição, pois pretende ser reconhecida como Ivan.
De maneira resumida e objetiva, os transgêneros são pessoas que sofrem do que se pode chamar de “disforia de gênero”. Significa que a pessoa sente claramente que não é do gênero que fisicamente parece ser.
Assim, ela terá, por exemplo, todas as características físicas de uma mulher – seios, órgãos genitais femininos – no entanto, não se identificará com seu corpo, desejando ter um corpo mais masculino e, ser aceita socialmente. O inverso também pode acontecer, ou seja, em relação àquele que apresenta características físicas masculinas, mas se reconheceria melhor em um corpo feminino.
O tema é bastante complexo e, neste momento o que se pretende é apenas explicar como funciona a alteração do nome no registro civil de pessoas transgêneros.
Mantendo o prenome constante no registro civil, para quem sofre de disforia de gênero, fere gravemente o princípio da dignidade da pessoa. Isso porque, no meio social ela acaba sendo vista e chamada por um nome, enquanto que, no seu registro constará nome que diverge de sua aparência.
Por exemplo, para uma pessoa que na verdade se sente do sexo masculino, manter o nome feminino nos documentos, dificulta sua inserção social, fazendo com que passe por situações constrangedoras.
De acordo com a Lei de Registros Públicos, é permitida a alteração de nome nos casos em que expõe a pessoa ao ridículo, e, portanto, a lei permite essa mutabilidade para garantir a dignidade dos cidadãos.
A alteração do nome no registro civil, visando adequar sua identificação à sua verdadeira identidade, influirá de forma decisiva na efetivação de sua cidadania e dignidade, evitando situações vexatórias.
O procedimento de alteração do nome deverá correr judicialmente e deverão ser apresentados laudos psiquiátricos, psicológicos, endocrinológicos, que atestem a disforia de gênero; bem como certidões emitidas por cartórios distribuidores, de antecedentes criminais e cartórios eleitorais, a fim de verificar eventuais pendências no nome da pessoa que pretende alterá-lo. Tal cuidado serve para garantir direitos de terceiros, tendo em vista que as alterações dificultariam a localização e correta identificação da pessoa.